quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O AMBIENTALISTA DO CONDOMÍNIO

Caro senhor condômino do apartamento 47 bloco B,

Conforme estipulado na Assembléia Geral Ordinária do Edifício Piazza Del Monte, o senhor deve providenciar a imediata retirada das plantas do corredor. Se a medida não for atendida dentro do prazo de 5 dias, a Administradora do condomínio será obrigada a aplicar pena de multa, conforme previsão em Estatuto.
Atenciosamente,
Cabreúva Imóveis LTDA


- Bando de ejaculadores precoces! Como assim? Por que encasquetar tanto com um vaso de planta? Ah, mas não ficar assim não...
- Não?
- Não. Vai ter vingança!
- Vingança? – minha mulher.
Abri o word e comecei a digitar uma carta-resposta:


CARTA-RESPOSTA


Aos caros condôminos que na última Assembléia Ordinária deliberaram pela retirada do vaso de plantas do corredor,

Em atenção à notificação que recebi da Administradora Imobiliária, gostaria de prestar aos senhores alguns esclarecimentos sobre o assunto. Primeiro. Antes de mais nada, queria pedir desculpas pelos inegáveis incômodos que certamente nosso vaso de avencas vem causando na vida de todos vocês. Claro, no fundo, mesmo nós do 14b sabemos: plantas são seres anti-estéticos, nefastos, repulsivos e que só denigrem ainda mais essa nossa m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a e árida área social. Aliás, só colocamos as plantas ali porque somos pessoas profundamente infelizes, sexualmente frustadas como voc ..

- Tá louco? – minha mulher de novo, passando para ler a tela do computador.
- Vai adiantar alguma coisa lançar mais merda ao ventilador? Por que ao invés disso, você não faz uma enquete?
- Uma enquete?
- É. Veja quantos de fato são contra a permanência das plantas no corredor. Aposto que é uma minoria. De repente, e se a enquete confirmar isso, a gente até consegue mudar a decisão da Assembléia...


A ENQUETE


Caro condômino do Piazza Del Monte,

Por determinação da última Assembléia Geral Ordinária, ficou estipulado, que o vaso de plantas localizado no corredor social bem defronte à janela do apartamento 47B deve ser retirado no prazo de 5 dias, sob pena de multa. Ocorre que nós do apartamento 14ª colocamos o vaso justamente na frente da nossa janela porque fica numa área de circulação do condomínio, e as plantas são um meio de preservar a privacidade sem fechar as persianas, que obstruiriam significativamente a entrada de sol e ar em nosso apartamento.
Por estes motivos (para nós muito valiosos!), gostaríamos de confirmar se ainda assim o senhor(a) condômino(a) não está de acordo com a permanência das plantas no local.
Ressaltamos que, caso a maioria opte pela permanência, nós nos responsabilizamos integralmente pela manutenção das plantas, bem como pelo cumprimento de outras condições que os senhores tiverem a sugerir.


RESULTADO DA ENQUETE


24 votos em “concordo com a permanência”, sem imposição de condições, 5 votos em “concordo desde que cuidem das plantas”, e finalmente, 6 votos em “não concordo”, dos quais um deles, possivelmente de autoria do condômino que capitaneou a campanha anti-vaso na última Assembléia, trazia o seguinte recadinho indigesto:

“O morador deveria ter avaliado os prós e contras da localização do apartamento quando da compra, e não agora, transferindo aos demais moradores o ônus dos problemas que encontrou. Além disso, as plantas estão muito feias e mal tratadas.”

Está bem vai que a avenca japonesa, no meio do inverno seco de julho, não fica lá muito bonita. Mas daí a dizer que estivesse tão feia e mal tratada? De toda sorte, o resultado favorável na votação informal nos deixou bastante animados, e por essa razão decidi simplesmente não tirar o vaso. Confesso que menos por razões ecológicas, mais por picuinha mesmo de condomínio, resolvi sustentar a briga até o fim e assumir os riscos. Dali a dois dias, o síndico do prédio bate à porta da nossa unidade:
- Viu, tem um pessoal aí que tá ligando todo dia na Administradora para exigir a multa das plantas. Você não vai tirar o vaso não?
O síndico não era contra as plantas, mas, com toda as suas compreensíveis razões, ele era contra ter que aturar gente mal resolvida infernizando o seu ouvido por conta de um vaso no corredor social.
- Sabe como é, esse pessoal não tem mais o que fazer, então eles ficam cobrando a minha assinatura, já que sem ela a multa não sai.
- E o senhor assinou?
- Não, jamais faria isso antes de vir aqui falar contigo...
- Dá para segurar mais uma semana?
Uma semana nos foi dada. Nesse meio tempo, a minha missão não era lá das mais fáceis. Marcar uma Assembléia Extraordinária, conseguir o quórum mínimo de presença, ou seja, inventar algum assunto menos egoísta do que o vaso de plantas para reunir o povo, e então, finalmente confirmar oficialmente a maioria verde expressa na enquete informal. Por uma dessas coincidências da vida, no dia seguinte descobri que o destino começava a jogar a meu favor. Um casal preocupado com outras questões veio nos avisar sobre a realização de uma Assembléia Extraordinária para tratar de diversos assuntos. Pronto, pensei. Bem mais fácil do que eu imaginava. Agora era só ir lá e pedir para incluir na votação da permanência das plantas.



A ASSEMBLÉIA EXTRAORDINÁRIA


Sentei-me quinze minutos antes do horário marcado. À essa ocasião pré-reunião, claro, alguns condôminos já caíam no clichê de criticar as altas taxas do condomínio ou as cochiladas do porteiro da noite. Foi quando me dei conta de que embora difundida sob a alcunha de Assembléia Extraordinária, não era lá bem isso o que significava aquela tertúlia condominial. Tratava-se sim de um encontro informal, aliás do qual nem o síndico fazia parte. Bem mais complexo do que eu imaginava, o que estava em curso ali era um engenhoso golpe do casal organizador da reunião para depor o síndico atual, daí a razão para ele próprio não estar presente. Rapidamente percebi que o marido do casal estava obcecado com a ideia de ascender ao poder e tornar-se ele a principal autoridade condominial. Só o que eu jamais podia imaginar naquele momento, fui só descobrir depois de a reunião terminar, o mesmo cara obcecado pelo poder era também quem exigia a multa do vaso, e quem colocou o recadinho na enquete dizendo que a avenca estava feia e mal tratada...
Voltando à reunião, diante do clima de animosidades de seus participantes, entrei na balbúrdia para dizer que não adiantava ficarem discutindo um monte de coisas se aquele encontro não tinha valor oficial. O máximo que se podia fazer naquele momento era agendar uma pauta de assuntos para votação, e o mais importante, marcar uma data para a realização de uma Assembleia, desta vez com a presença da imobiliária, do síndico atual e de tudo o mais que fosse necessário para se tornar oficial. O obcecado aspirante a síndico, que era novo no prédio e não sabia que eu era o dono das plantas, foi o primeiro a aplaudir minha sugestão. Sorriu pra mim, talvez pensando assim – ah, esse aí vai votar em mim pra síndico! E eu, recebendo o sorriso do sujeito, pensei – ah, esse aí votará na permanência da minha plantinha!


A RENÚNCIA


No dia seguinte o síndico do condomínio ficou muito fulo da vida com a realização de uma reunião extra-oficial, sem a sua ciência e consentimento, então foi à imobiliária e renunciou ao cargo. – Chega dessa gente mal resolvida. Imagino que tenha pensado ao abdicar da sindicância. Sob a ótica dos meus interesses, o lado bom é que até o dia da Assembleia estava garantido: não sairia a multa pelo simples fato de que não haveria síndico para assiná-la. Em contapartida, o zelador veio me contar que além do síndico, também as minhas plantinhas o candidato único queria tirar. Exato, candidato único. Não surgiram outros condôminos interessados em concorrer à vaga, só ele, o golpista. Não por isso. A briga em torno das plantinhas tornou-se uma questão de honra tão forte, que ao saber desse desinteresse dos outros de concorrer à vaga, não hesitei. Candidatei-me ao cargo mais mico da vida urbana: síndico de prédio numa cidade como São Paulo, habitada por pessoas que passam o dia no trânsito, no trabalho, no trânsito de novo, e terminam na televisão, caso não haja algo reunião de condomínio ao fim do dia.


A CAMPANHA


Uma vez aceita a briga, obviamente não podia nem pensar em perdê-la. Como nunca tive qualquer experiência política, a campanha saiu meio na base do improviso. Com pouquíssimos recursos financeiros, e ainda por cima sabendo que eu não era nem de longe a pessoa mais popular no prédio, usei a gráfica de um amigo para imprimir um punhado de folders cheios de árvores, bichos, mares e sóis, dizendo assim:
- Vote no ambientalista do condomínio! Por um edifício mais verde!
Um amigo publicitário foi quem sugeriu esse rótulo de ambientalista do condomínio. Dizia que era marcante e tinha tudo a ver com a minha luta. Segundo ele, a força do rótulo poderia seduzir aqueles eleitores que encaram as eleições da mesma forma como escolher um sanduíche na lanchonete. O sujeito vê a foto no painel luminoso, acha-a bonita, nem se informa sobre todos os ingredientes do lanche, também não se dá ao trabalho de ler o cardápio para comparar o lanche da foto com as demais opções, e seduzido apenas pela imagem forte, pede logo um igual.
Porém, alertou o publicitário, a eleição nem sempre é composta somente por eleitores descompromissados. Há também aqueles politizados, que querem se identificar com alguma uma bandeira do candidato, de preferência de apelo popular. Daí que no folder ele sugeriu colocar alguma promessa do tipo enxugar despesas condominiais. Então, o folder ficou assim:


VOTE NO AMBIENTALISTA DO CONDOMÍNIO!


A favor da reciclagem em todas as suas formas, o ambientalista do condomínio é contra o desperdício, inclusive do seu dinheiro, caro condômino. Proponho a instalação de um sistema de reúso de água, pretendo ainda implantar placas solares na cobertura, pois um estudo projetado comprova que em seis meses já teremos recuperado todo o retorno do investimento inicial, e faremos uma economia média de 30% ao mês em relação às contas atuais.

Minha mulher sugeriu outras ideias boas também. Lembrou do meu tio, um arquiteto paisagista que gosta muito da gente, então mandamos imprimir outro folder, dessa vez garantindo que uma vez eleitos, conseguiríamos um projeto gratuito de paisagismo para o prédio, que além de proporcionar bem-estar e inegável prazer estético aos moradores, também valorizaria o preço das unidades condominiais.
Foi uma semana intensa distribuindo os panfletos antes e depois do trabalho, e depois passávamos a noite discutindo quais estratégias adotar para o debate no dia da Assembléia. A cônjuge dizia que era muito importante olhar no olho da plateia, dizer as coisas com firmeza, mas sem jamais perder a simpatia. Foi com enorme satisfação que durante a mesma semana encontrei alguns condôminos na garagem, e eles demonstraram bastante simpatia à causa ambientalista. A dona Jheny, por exemplo, disse para não tirarmos o vaso de jeito nenhum, mesmo que eu saísse derrotado, pois ela já morava lá há mais de três décadas, e se fosse o caso, ele segurava a bronca da multa. Já o seu Alcides do segundo andar comentou com simpatia sobre o sobrinho agrônomo, que também podia me dar umas dicas de nitrogenados para fazer a planta do vaso crescer melhor e ficar mais verdinha. Graças à campanha eleitoral, descobri que não estava sozinho, sim, havia alguns simpatizantes do vaso e da causa verde, o que me dava alguma confiança para enfrentar as urnas.
Por outro lado, o embate prometia ser duro. Quando a oposição descobriu que estávamos distribuindo folders de campanha, não perdeu tempo e fez o mesmo. Só que ao invés de fazer como eu, lançar uma agenda programática, oferecer propostas sérias para o mandato, eles desceram ao terreno baixo da calúnia, injúria e difamação. Disseram que se eu mantinha até hoje a plantinha no corredor, ignorando por completo a última Assembléia, então logicamente que uma vez no poder, eu atropelaria a lei condominial e cometeria desmandos muito maiores. Era um jogo pesado. Os puxa-sacos de plantão da oposição, aqueles que teriam assento garantido no conselho financeiro se o cara ganhasse a eleição, saíram espalhando pelos quatro cantos do condomínio que o candidato ambientalista era um maluco beleza que vinha com esse papo de paz, amor e natureza, mas no final de semana perturbava toda a vizinhança do bloco A com festinhas que se arrastavam madrugada adentro. O mais gozado foi quando, uma noite antes da eleição, abriu a porta do elevador só comigo dentro, e quem apareceu? Ele, meu adversário político. Espantou-se como se estivesse diante de uma assombração. Nem chegou a dizer “boa noite” e aparentou profundamente amedrontado. Isso me fez perceber que sim, nossa campanha o intimidara, o sujeito agora me respeitava como adversário e, tanto quanto eu, tinha muito medo de perder a eleição.


A ELEIÇÃO


Pouco antes de descer ao salão de festas, minutos antes da Assembléia começar, fui cuidar do figurino. Escolhi uma camisa toda psicodélica, arrebatada no Mercado Mundo Mix, cheia de ondas azuis eletromagnéticas e distorcidas. Uma estampa bem chamativa, bem chocante, bem com a cara de Mercado Mundo Mix. Segunda medida da noite: preparei um chá de erva cidreira, gengibre e folhas secas de romã para acalmar os nervos. E desci para a reunião carregando o cálice de barro fumegando, que mais parecia uma imitação vagabunda de Santo Graal. O salão de festas já estava lotado. No entanto, evidentemente a razão para um quórum tão alto não tinha nada que ver com o meu vaso de plantas, e tampouco com a própria realização da eleição para síndico. Como sempre, só mais uma chance de a turma reivindicar redução nas taxas de condomínio e exigir cobranças mais enérgicas dos inadimplentes, que cresciam dia após dia.
Na mesa principal, defronte às cadeiras espalhadas pelo salão, uma pessoa da imobiliária abriu os debates concedendo a palavra primeiro ao meu opositor:
- Quero ser síndico porque não suporto mais ver esse prédio ao Deus dará. Os apartamentos de cima estão com infiltração e ninguém faz nada. Roubaram o rádio do carro do 33B na garagem, e nada também, não puseram câmera, aliás, nem uma cerquinha elétrica sequer. Se eu for eleito, a primeira coisa que pretendo fazer é reduzir a folha de pagamento demitindo o vigia da noite, pois me sinto um otário sustentando alguém que simplesmente passa a noite dormindo.
Dessa vez não aguentei. O Miguelito era brother.
- Eu não! Sou totalmente contra mandar embora o Miguel! Por um acaso vocês já experimentaram a cocada da mulher dele? São simplesmente as melhores que já experimentei! Estou até vendendo lá na firma, precisam ver o sucesso que faz as de abóbora.
Naquela hora, o sujeito calvo do apartamento 41, bloco A surtou. Falou berrando que havia assuntos sérios demais para alguém ficar de brincadeira. E embora até fossem reais as virtudes das cocadas e o meu apreço pelo porteiro da noite, também era público e notório que Miguel roncava em serviço. Sendo assim, a maioria esmagadora era mesmo a favor de sua demissão. Para agravar, o meu adversário político não perdeu o fio da meada:
- Estão vendo? Eu não falei que esse rapaz não era pessoa séria? Não disse que o ambientalista é um fanfarrão?
- Eu sim sou sério e tenho uma proposta para o nosso condomínio!
- Na minha gestão, as taxas diminuirão e os inadimplentes não terão mais vez. Vamos pagar um escritório de advocacia para penhorar o apartamento, se for necessário. As reformas que há muito precisam ser feitas, prometo que comigo sairão do papel. Na minha gestão, transparência será a palavra. Vocês terão prestação de contas de tudo. Qualquer rubrica, por mínima que seja, será lançada no balancete mensal. Pretendo ainda propor diversos mudanças no lay out da área social, deixar esse salão com uma cara melhorzinha, arrumar o hall social, e a primeira medida será tirar de uma vez por todas aquele vaso horrível do candidato aqui ao meu lado..
- Você sabe por que as minhas plantas estão quase morrendo?
- Por um acaso você sabe por que isso está acontecendo? - Sim, claro. Porque você não consegue cuidar nem de uma planta, quanto mais do condomínio...
- Engano. Porque você secou a minha plantinha, seu infeliz. A tua energia é tão ruim, você é tão mala, que a avenca simplesmente não aguentou...
Daí em diante o circo pegou fogo. O cara ficou todo machão, levantou-se e quis sair pra cima. Acabou sendo segurado por várias pessoas, enquanto meu coração quase pulava para fora da boca. Fiquei tão desiludido com tudo, que depois disso não consegui mais levar o papel e a briga adiante. Joguei a toalha deixando a reunião sem nem participar da votação, convicto de que política carece de vocação, e definitivamente eu não a tinha.


O RESULTADO


Votação esmagadora para ele. Do meu lado, um voto da dona Jheny, um do seu Alcides, outro da magricela macrobiótica cujo nome ora me falta, além de mais dois ou três sem origem identificada. Na manhã seguinte, as plantas foram tiradas do lugar, restando como consolo a multa que nunca foi aplicada. O opositor assumiu o mandato e nunca cumpriu quaisquer de suas promessas de campanha. Com o tempo, os condôminos que o conduziram ao cargo descobriram aquilo que eu e as plantas já sabíamos: o sujeito era um palerma irremediável. Pediram o seu impeachment, mas ele só abandonou o cargo depois de muita resistência, quando a situação chegou ao insustentável e foi organizada uma liga de velhinhas rebeldes. ps: Qualquer semelhança da história com a realidade terá sido mera circunstância do acaso.




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