quarta-feira, 21 de setembro de 2011

ÀS AVESSAS

- A casa de praia é minha, foi construída com o dinheiro da minha família, dos meus pais.
- Ah é? Então eu fico com os dois carros.
- E eu? fico a pé? Você está ficando louco, cada vez mais louco... Na verdade, tudo devia ser meu. Foi você que me traiu.
- E você não, né? Você nunca me traiu, é uma santa, prestes a ser canonizada..
- Mas foi você quem começou. Se não tivesse começado, eu jamais teria. Minha traição foi um protesto, a tua não, foi pura safadeza...
- Como você é mestra em inverter as coisas. Impressionante! Você que me abandonou totalmente, achou que pudesse viver sem sexo. Mas está bem. Quer ficar com tudo? Com as casas, os dois carros, ok. Mas duma coisa não abro mão. O Tomé fica comigo.
- Ahhh... Pera lá. Deixa ver se ouvi direito. Era só o que faltava... Você não tem condição nem de cuidar de si próprio, quanto mais do nosso filho?
- Ué? Você não quer que eu abra mão de todo o patrimônio? Tá bom. Só que dele eu não abro mão.
- Não estou acreditando, não posso acreditar Osmar. Você é mau, você é uma pessoa má, um manipulador, que usa o próprio filho só pra me atingir.
- É simples, Nádia. Vamos ver o que o homem da capa preta vai decidir. Duvido que dará a guarda para uma pessoa completamente desequilibrada como você.
- Desequilibrada? Eu? Você que é um louco, egoísta, frustrado, emocionalmente dependente da mãe até hoje..
- E você? Você é uma paranóica, maníaca, obsessiva compulsiva, ainda por cima frígida.
No caminho ao Fórum tudo ainda estava calmo. Foram juntos, no mesmo carro, representados pelo mesmo advogado, que jamais poderia imaginar o quanto o seu trabalho de redigir a separação consensual estava prestes a naufragar. Pois bastou a espera de duas horas de espera pela audiência no corredor do Fórum, para os ânimos do casal voltarem a se acirram e os dois voltarem à estaca zero da lavação de roupa suja. Demoraram quase um ano para chegar à conclusão de que queriam mesmo o desquite. A ficha foi caindo à medida que brigavam feio, alguém ameaçava pedir o divórcio, e o outro dizia – Ah é? Então pede. A ideia só amadureceu de verdade quando Nádia se engraçou com o advogado que procurou para se informar sobre “esses negócios de separação”. Há tempos Osmar sabia já que ela deitava com outro, só nunca desconfiou que esse “outro” pudesse ser o doutor Ruy Aranha. Tanto que foi ele mesmo o escolhido dos dois para arquitetar o recém-frustrado acordo na Justiça. Antes de Ruy, Nádia até chegou até a trair Osmar algumas vezes, muito esporadicamente, mas à época não tinha ainda peito para levar a separação adiante, principalmente por causa do filho, que sofria demais com as discussões.
Osmar, de outra parte, começou a trair lá pelo quarto ou quinto ano, numa viagem a trabalho para Aruba com a qual foi contemplado por se tornar o vendedor do ano na firma. De lá pra cá, nunca mais parou. Ultimamente, porém, vinha chutando o pau da barraca. Dormia no motel, saía com várias ao mesmo tempo, e quando a situação beirou o insustentável, Nádia tomou coragem, arregaçou as mangas e descobriu os prestimosos serviços multi-uso do doutor Aranha.
Apesar das brigas e traições, o casal tinha o saudável hábito de viajar pelo menos uma vez por ano. Nas viagens, esqueciam todos os problemas, escapadas e discussões para desfrutarem momentos de raro deleite. Principalmente na última década, Osmar ficou muito bem de vida, cresceu nas empresas por onde passou, tendo em razão disso possibilitado grandes passeios à família. Foram aos Alpes suíços esquiar, embarcaram em cruzeiros pelo mediterrâneo, saíram às compras em Paris, Nova Iorque e Istambul, e até passeios de camelo pelos arredores do Cairo chegaram a fazer. Osmar adorava comprar joias para a esposa. Dava-as igualmente às amantes, mas o gosto de Nádia, esse ele conhecia como ninguém. Dava-lhe extremo prazer ver a cônjuge toda adornada de brincos, pulseiras e colares. Achava-a classuda, dona de uma elegância mais merecedora do mimo do que qualquer outra, por mais bela que fosse a outra. Agora, se houve uma fase de sintonia na vida do casal, foi sem dúvida nos primeiros anos de vida do filho único. Na verdade, desde a gravidez que o casal já viveu essa fase, dita a melhor. Osmar se transformou com a notícia. Comprava óleo de amêndoas para passar na barriga da mulher, participara ativamente da decoração do quarto, enfim, a paternidade o deixou muito sensível. Depois, quando o guri nasceu, os dois passaram por uma fase desgraçada, não tinham dinheiro nem para a pizza da sexta-feira, discussões homéricas eram travadas em torno dos cheques especiais, mas logo ficavam de bem, selando as pazes com festinhas particulares no primeiro sono da criança. Depois que o rebento estabeleceu-se criança, as brigas passaram a rondar sobre o melhor modo de educá-la. Eram também discussões demoradas, renhidas, ainda que depois sempre saíssem mais unidos e fortalecidos delas.
Osmar e Nádia se casaram em grande estilo, numa festa para mais de 400 pessoas. A cerimônia aconteceu na Nossa Senhora do Brasil, às custas do pai de Nádia, seguida de festa na Casa das Caldeiras, paga com muito sacrifício pelo noivo. Como manda o script, o baile teve distribuição de perucas, óculos piscantes, bolhas de sabão e o DJ conduziu a farra para além das cinco da manhã. A falecida bisavó de Nádia, então uma elegante senhorinha contando com quase noventa anos, só deixou a festa lá pelas três da manhã, tamanha a emoção de testemunhar a bisneta, toda linda e radiante na noite de seu enlace. Veio então a lua de mel em Trancoso, Bahia, não por acaso o mesmo lugar onde Osmar pleiteou Nádia em casamento. Foi na primeira oportunidade que o pai autorizou a filha a viajar sozinha com o namorado, que Osmar não pensou duas vezes. Gastou o ordenado de trainee num pacote para o sul da Bahia, reservou a melhor suíte da mais charmosa pousada da vila, preparou uma noite surpresa à luz de velas, forrou o chão com pétalas de rosas vermelhas, pôs bem baixinho a música “Eu preciso dizer que te amo” de Cazuza e Bebel Gilberto, e pediu a mão de Nádia em casamento, aos vinte e três anos de idade, movido pela mais livre e espontânea vontade. Foi assim, tudo muito rápido, casaram-se dois meses depois de noivarem, namoraram não mais que um ano desde o primeiro flerte no corredor do supermercado, quando Osmar viu Nádia pesquisando o preço dos sabãos em pó, e teve uma forte e imediata intuição de que ele se tornaria o homem de sua vida, e ela, a sua mulher...

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