terça-feira, 8 de maio de 2012

POROROC POROROC

Os antigos povos da Amazônia jamais poderiam imaginar que o fenômeno que tanto temiam se tornaria hoje um sonho para surfistas do mundo todo. No Brasil, as ondas de maré são conhecidas como pororoca devido ao tupi-guarani “pororoc pororoc”, que significa algo como “grande estrondo destruidor”. Apesar de a pororoca ter ficado internacionalmente famosa, poucos sabem que ela é causada pelo violento transbordamento da maré na foz de alguns rios, e que embora essa luta do mar contra as águas doces se repita diariamente, quase nunca ocorre com a intensidade suficiente para amedrontar índios e extasiar surfistas. Trata-se de um acontecimento misterioso desde as origens, pois enquanto no mar as ondas são geradas por ventos e fundos adequados, as ondas fluviais dependem da influência da lua sobre a Terra. Segundo a astronomia, a lua atrai parte das águas dos mares e as arrasta conforme se move ao redor da Terra. Quando a Terra se aproxima da órbita da lua, no equinócio, aumenta a atração gravitacional e acontecem as maiores marés do ano. E as maiores pororocas... No hemisfério sul, o equinócio de outono é a melhor época para se presenciar o fenômeno. Entre os meses de fevereiro a maio, em especial março e abril, o surfe tem hora e data marcada para acontecer. Somente nos dias de lua cheia ou nova, mais precisamente um dia antes, no próprio dia das luas e nos três seguintes que é garantido. Ondas intermináveis se formarão com força suficiente para inverter o fluxo natural do rio. Quanto ao horário, dois são os momentos diários, sempre no ápice da maré cheia - a preamar - que varia conforme o dia, mas se repete a cada 12 horas. Por todas essas complexas razões, logo que decidi surfar essa onda, criei uma relação inexplicável com a lua. Quase como se finalmente eu a tivesse descoberto. Semanas antes de embarcar para São Luís, ainda em distantes solos paulistanos, eu acompanhava hipnotizado o crescimento do astro noturno, e à medida que ele foi enchendo no céu, a descarga de adrenalina era tanta, que me fez questionar algumas vezes se estava mesmo fazendo a coisa certa. Sobre o surf em si, você pode ser um surfista experiente, pode já ter passado por inúmeras situações desafiadoras no mar, não interessa. Debutar na pororoca o fará se sentir um bebê arriscando os primeiros passos no esporte. Tudo é diferente. Alguns que nunca viveram a experiência tendem a desmerecê-la, sob a alegação de que pelas fotos a onda é sempre pequena. De fato, nas partes mais estreitas do rio ela gira em torno de meio metro. Porém, na foz do rio, na porta de entrada da onda, local apelidado pelos locais de "Paredão da Morte", a realidade costuma ser bem diferente. Como mostra o vídeo abaixo, fui engolido por uma espuma branca de quase um metro e meio, que entrou varrendo com muita velocidade o estuário do rio Mearim, localizado no estado do Maranhão, próximo à pacata cidade de Arari. Na lua cheia de abril, no mesmo lugar a onda entrou com 2 metros e passou de 30 km/h. Agora, qualquer que seja o tamanho da onda, outros riscos sempre estarão presentes. Animais carnívoros como jacarés e piranhas costumam ser os mais lembrados, mas para os surfistas acostumados à pororoca existe uma teoria de que os bichos pressentem a bagunça e procuram águas mais tranqüilas. Mesmo que resolvam ficar, a luta pela sobrevivência será bem diferente daquela relacionada à alimentação da carne humana. Por outro lado, o lendário candiru parece preocupar bem mais os freqüentadores de rios da Amazônia. Atraído pela urina da pessoa, o bicho entra no canal da vagina ou da uretra e passa a se alimentar do sangue do hospedeiro. Dizem que uma vez instalado no corpo humano, o peixe-vampiro causa uma dor terrível, só sendo possível retirá-lo mediante cirurgia. Outro risco, talvez esse o maior, consiste em ser lançado pela onda à margem do rio e ser arrastado na parte seca. O surfista pode se chocar contra árvores ou no mínimo passar bons minutos sentindo a lama entrar por todos os poros do corpo. Eu mesmo quase tive esse desprazer ao sair da onda retratada na foto acima, cuja espuma lambia a margem e arrastava troncos como se fossem palitos. Se consola a quem pensa em se aventurar, nesses 15 anos de surfe em rios brasileiros nunca houve nada além de sustos. E verdade seja dita: o preço que se paga para estar ali é até bem baixo perto dos benefícios que a experiência te proporciona. Não há palavras para a sensação de surfar ondas perfeitas num rio cercado pela floresta tropical. É também muito bacana o exercício de solidariedade que a pororoca impõe ao esporte. Como a única onda que mantém força por vários minutos é a primeira, todos devem surfá-la juntos. O oposto da regra individualista que vige no mar, onde só uma pessoa surfa cada onda, e algumas interferências acabam virando briga na areia. No rio todos podem e devem surfar a mesma onda. O clima em geral é amistoso, e então, quando a espuma perde a força e as pernas já estão bambas, todos comemoram berrando junto, num êxtase coletivo que só amplia o valor da experiência. Por essas e outras, depois que o fenômeno passa pela última vez, os pororoqueiros se reúnem em um botequim à beira do mesmo rio, e todo mundo só consegue pensar na cerveja gelada e no calendário. Neste último caso para confirmar o dia exato da próxima lua. video da viagem