quarta-feira, 29 de junho de 2011

BANDINHA DE GARAGEM?

Num churrasco de pós-adolescentes, Birigui sentou-se ao meu lado e uma garota o perguntou:
- E aí Birigui? Que cê anda fazendo da vida?
Essa pergunta foi feita há pelo menos quinze anos. É realmente curioso que eu recorde perfeitamente da resposta até hoje:
- Pô, tô aí fazendo arquitetura na Unip, mas minha parada não é ser arquiteto não. O meu negócio é ser cantor de banda de hardcore..
- E eu vou ser cantor!
Birigui sempre fora uma pessoa tão curiosa quanto o seu apelido. Baixinho, forte, boné inseparável, na adolescência gastava manhãs, tardes e noites dedicando-se às duas coisas que mais gostava de fazer: andar de skate na pista do clube e cantar nos ensaios de sua banda de garagem. Em meu singelo parecer, Birigui era excelente skatista, mas péssimo cantor. Sendo assim, quando nos encontrávamos ao acaso em festinhas (nunca fui íntimo da peça), mas como ele sabia que eu ouvia Ramones, Toy Dolls e Sex Pistols, então vinha me perguntar: E aí Vitinho? O que você está achando do nosso som? E na maior cara de pau eu respondia que sua banda estava cada vez melhor, a cada dia mais madura artisticamente. Diante dos elogios, Birigui não tinha o menor pudor de revelar as suas aspirações estratosféricas. Para ele, os holofotes eram apenas uma questão de tempo, logo, por que esconder as suas certezas? Além de mega-sonhador, Birigui era mega-insistente. Namorava uma menina bonita, cujo pai era dono de gravadora, e embora conste pelas más línguas que o sogro desgostasse do genro, Birigui vivia insinuando ao sogrão para levá-lo a estúdio, pois se lhe dessem uma única chance, decerto provaria todo o seu potencial. Lembro, numa festa à fantasia, quando uma amiga fantasiada de fada Sininho tomou todas e foi parar nos braços do Birigui de sonho de valsa. No dia seguinte, a ressaca não lhe incomodava tanto quanto o arrependimento.
Alguns anos depois, fui ao Fórum Central e dia dei de cara com outro personagem curioso, esse até então um desconhecido de mim: Chininha. Lembro perfeitamente de nos encontrarmos na escadaria do prédio, e sem que ninguém nos apresentasse, cumprimentamos um ao outro como se já fôssemos brothers de longa data. Chinhinha era um mestiço boa pinta, sempre muito bem acompanhado, uma pessoa finíssima, educada, elegante, com uma história de vida interessante. Era formado em turismo na USP, administração na PUC, mas à noite dava aulas de inglês e de dia trabalhava como cartorário da Infância e da Juventude, sendo que neste último caso, alegava o rapaz, era para fazer algo em prol do “social”. Já nas horas vagas, não me pergunte como, China ainda arrumava tempo para ser o baterista de duas bandas de garagem. Uma que ele levava como projeto comercial, a outra por prazer de tocar com os amigos.
Tempos depois, um amigo meu de colégio, hoje jornalista e músico, veio me contar a bomba: Chininha, aquele cara gente boníssima com quem eu ia almoçar no vegetariano da rua Riachuelo, sim, era ele mesmo o baterista da banda do Birigui. Simplesmente não pude acreditar. Um era culto, discreto e polido. O outro? Um escachado que não parava de rir das asneiras que ele próprio não parava de falar. Sabe aquele eterno adolescente skatista acometido da síndrome de Peter Pan? A primeira vez que comentei com Chininha sobre o fato de conhecer Birigui, não tive coragem de expressar todo o meu estranhamento sobre o fato de duas figuras tão diferentes fazerem parte do mesmo coletivo musical.
Algum tempo depois, o mesmo amigo jornalista veio me dar nova bomba: Sabe a banda dos caras? Sim, claro. Pois é. Um produtor musical da pesada pegou pra lançar. Anota aí. Nesse verão, várias rádios de São Paulo vão começar a tocar o som da banda e eles vão se dar bem. Profeticamente (ou talvez não), foi exatamente o que aconteceu. Dali a um tempo, eu ia sintonizar a Eldorado FM no carro, e de repente passava por alguma rádio do tipo mix FM ou 89.1 que estava lá, prestigiando os batuques do Chininha e a voz rouca do Birigui. Num período bem curto, a banda estourou nas paradas de sucesso, tornando-se uma das pioneiras no gênero “emocore”. Birigui, Chininha e companhia arrastavam multidões teens para os estádios, que se descabelavam cantando junto os hits da banda. Bastava eu me encontrar novamente com o amigo jornalista para ouvir as boas novas incrédulas. Diversão garantida. Agora o Birigui tinha um fã-clube com milhares de garotas espalhadas pelo Brasil. Mas o auge mesmo da banda foi no dia da festa de 40 anos da rede Globo. Diante duma platéia em que Tarcísio Meira e Glória Menezes eram os menos conhecidos, quem subiu no palco para cantar? Birigui! Foi surreal vê-lo interpretar Legião Urbana, e ao final, despedir-se gritando no microfone: - Valeu Rede Globo! Eu me divertia com a cena, lembrando daquele ex-sogro, o dono de gravadora que sempre se recusou a dar uma chance ao menino...
Já com a fama da banda estabelecida, de vez em quando eu ainda cruzava o Chininha batendo o cartão no relógio velho do Fórum: - E aí meu? O que você tá fazendo aqui? - Pô, sabe como é, eu gosto do cartório, aqui eu me sinto servindo a sociedade... Lógico que às alturas China faltava bem mais do que ia ao serviço, e não levou muito tempo para se despedir de vez do funcionalismo. Pelo que ouvi de inúmeras fontes (pode ser só fofoca infundada) Chininha era o cérebro da banda, a liderança natural dentro e fora dos palcos. Diziam ser ele quem compunha a maioria das canções, cujas temáticas oscilavam entre a desilusão amorosa e o destino fatal da humanidade. Era também o cara das relações públicas, quem sempre arrumava alguma paciência para atender jornalistas ou dar atenção aos fãs. Sabia da importância dessas coisas para a longevidade da banda. Por ser também um cara estiloso e carismático por natureza, todo ano no MTV Awards Brasil ele era eleito pelo público da emissora como o baterista na categoria “Banda Ideal”. Imagino que isso devia gerar uma certa angústia em Birigui, pois o mesmo nunca se dava com ele, que era o vocalista da banda, o cara do front, ao passo que o outro era só o baterista, quem fica na parte mais escondida do palco.
A fase fértil durou bem mais do que eu imaginei logo no começo. Foram quase 10 anos de viabilidade comercial. Nesse período, ao que soube (pode ser só fofoca infundada), Chininha guardou toda a grana, enquanto a maioria da banda torrou tudo em baladas pelas turnês. Recentemente, a última investida do mestiço no mundo das artes foi o lançamento de um livro reunindo as crônicas que ele costumava publicar numa revista feminina para adolescentes. O título da obra: “O que os garotos pensam sobre as meninas, na visão de um rock-star”. Li na internet que as vendas foram muito bem e a editora já estava lhe cobrando um segundo livro. Indagado sobre as razões para o êxito literário, China respondeu que formulava os conselhos para as meninas, mas antes de publicá-los ponderava se os daria também para uma irmã mais nova, caso tivesse. É ou não um gentleman?
Já Birigui – pasmem - parou de beber, casou-se e agora tem planos de se tornar pai. Fui saber disso não pelo amigo jornalista, desta vez pela minha mãe mesmo, que fez o buffet da festa de casamento e ouviu essas pérolas da boca do próprio. Eis aí um evento que lamento não ter sido convidado para testemunhar ao vivo e em cores. O casamento religioso do Birigui. Apesar de nossos universos digamos, um pouco distantes, sempre achei Birigui um cara do bem, no mínimo autêntico. A última vez que nos vimos foi no Mercearia São Pedro, ainda na fase áurea da banda. Ele foi super simpático comigo e com minha filha.
Moral da história nº 1: Birigui é a prova de que sim, TUDO é possível, basta acreditar intensamente, os livros de auto-ajuda estavam certos.
Moral da história nº 2: Se é Deus mesmo quem vem contando as atuais 7 bilhões de histórias do mundo, além de todas as passadas, convenhamos então - haja criatividade!

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